Uma visão da Bibliofilia

Posted by Correspondente in ,

Hoje, era em que se adivinha o reinado do e-book, ainda existem espaços onde podemos encontrar raridades livrescas. Não, não se trata apenas de mero fetiche. Os bibliófilos não têm apenas o culto da capa, da edição, do autógrafo...
Um Homem que se move na incessante busca de livros interessa-se, que tal fique bem claro, pelo seu conteúdo, caso contrário, recortariam apenas páginas com números de edição, guardariam apenas capas, ou fotocopiariam autógrafos. Aquilo que um livro diz e como o diz é uma paixão para qualquer bibliófilo. A demanda do bibliófilo é, no fundo, a busca de uma série de mundos que lhe agradam e que são inerentes ao livro, mas não a um livro qualquer.
Sentir o cheiro dos livros velhos, que tantos dedos tocaram, ver as capas que os autores escolheram para abrirem a sua obra (e que não foram impostas pelas grandes superficíes comerciais), conversar com vendedores que amam os livros, que nos dizem "uma vez, eu e o Herberto fugimos sem pagar as cervejas ali numa tasca na Rua do Arsenal" enquanto sorriem, com os olhos húmidos de passado, não é algo que se encontre numa mega-livraria. E, quando esses alfarrbistas não falam, nem contam, deixam-nos vaguear pela sua loja sem perguntas incómodas, sem nos impingirem a última novidade, deixando que as nossas mãos sintam o prazer de abrir um livro com pó. Por vezes, perguntam-nos "então que autor gosta de ler?" e nós respondemos "Muitos...Borges, Sade..." para depois voltarmos ao nosso silêncio perscutador de prateleiras sujas.
Se nada comprarmos, não receberemos um olhar intimidatório e desconfiado de uma farda vestida pela ameaça da violência. Mas geralmente, por vício ou amor, compramos. Então, decidimo-nos por um livro, raro ou usual, luxuoso ou esburacado. Pagamos, com notas pesadas ou moedas leves, sem nunca esperarmos um talão com meio metro de latitude. Recebemos um sorriso verdadeiro e saímos. Depois, já lá fora, no ar impuro, abrimos o saco para atentar sobre o objecto que acabámos de comprar e salta-nos à vista um livrinho do Borges, do Sade...de outro qualquer. Eis-nos perante a surpresa que não existe na previsibilidade contemporânea das grandes registadoras.
Não é só a exuberância de possuir uma primeira edição que nos move, é também a procura do que ela nos possibilita. Um regresso, talvez a casa, talvez à vida.
Nos alfarrabistas ainda há vida, dos outros, deles, de nós.
Naquela intemporalidade, somos pessoas e não cifrões.

This entry was posted on quarta-feira, 15 de julho de 2009 at quarta-feira, julho 15, 2009 and is filed under , . You can follow any responses to this entry through the comments feed .

1 comentários

Falta aí uma etiqueta a dizer: Estudantes de Literatura

16 de julho de 2009 às 18:53

Enviar um comentário