Salazar de um cabrão que nunca mais acabas de morrer, pensou ele na altura, sentado à secretária, defrontando-se com a obstinação do senhor Joaquim: quantos senhores Joaquins dispostos a seguirem de olhos vendados um antigo seminarista trôpego com alma de governanta de abade contando tostões na despensa? No fundo, meditava o médico contornando o Jardim das Amoreiras, o Salazar estoirou mas da barriga dele surgiram centenas de Salarzinho dispostos a prolongarem-lhe a obra com o zelo sem imaginação dos discípulos estúpidos, centenas de Salarzinhos igualmente castrados e perversos, dirigindo jornais, organizando comícios, conspirando nos entrefolhos das Donas Marias deles, berrando no Brasil o elogio do corporativismo. E isto num país onde há tardes assim, perfeitas de cor e luz como um quadro de Matisse, belas da rigorosa beleza do Mosteiro de Alcobaça, num país de tomates pretos que o Estado Novo quis esconder debaixo de saias de batina, ó Mendes Pinto: e com muita Avé Maria e muito pelouro nos fomos a eles e em menos de um credo os matámos a todos.
António Lobo Antunes; Memória de Elefante; 1979
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on quinta-feira, 7 de maio de 2009
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