A poesia, cujo material é a linguagem, é talvez a mais humana e a menos mundana das artes, aquela cujo produto final permanece mais próximo do pensamento que a inspirou. A durabilidade de um poema resulta da condensação, de modo que é como se a linguagem falada com extrema densidade fosse poética por si mesma. Na poesia, a recordação, Mnemosyne, mãe de todas as musas, é directamente transformada em memória; o poeta consegue essa transformação através do ritmo, com o qual o poema se fixa na memória viva que permite que o poema perdure, retenha a sua durabilidade fora da página escrita ou impressa; e, embora a "qualidade" de um poema seja medida por vários padrões diferentes, a sua "memorabilidade" determinará inevitavelmente a sua durabilidade, isto é, a possibilidade de ficar permanentemente fixado na lembrança da humanidade. De todas as coisas do pensamento, a poesia é a que mais se assemelha a este último; e, entre todas as obras de arte, a que menos se assemelha a uma coisa é um poema. No entanto, até mesmo um poema, não importa quanto tempo tenha existido como palavra viva e falada na memória do bardo e dos que o escutaram, terá, mais cedo ou mais tarde, de ser "feito", isto é, escrito e transformado em coisa tangível para habitar entre coisas, pois a memória e o dom de lembrar, dos quais provém todo o desejo de imperecebilidade, necessitam de coisas que os façam recordar, para que eles próprios não venham a perecer.
Hannah Arendt, A Condição Humana
Hannah Arendt, A Condição Humana
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on sábado, 24 de janeiro de 2009
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