Memorizar

Posted by F. F. in

... É por isso que lamento que já não se aprenda de cor. Aprender de cor é, em primeiro lugar, colaborar com o texto de uma maneira totalmente única. O que aprendemos de cor muda em nós e nós mudamos com isso, durante toda a nossa vida. Em segundo lugar, ninguém nos pode tirar isso. No meio dos porcos que governam o nosso mundo, a polícia secreta, a brutalidade dos costumes, a censura - e também temos isso na nossa casa sob todas as formas -, o que sabemos de cor pertence-nos. É um,a das grandes possibilidades da liberdade, da resistência. Não é necessário sublinhar que as maiores poesias russas do nosso século, precisamente as de Ossip Mandelstam, de Akhmatova e de tantos outros, sobreviveram dentro do de cor. E o de cor quer dizer: eu participo na génese, na transmissão do poema, tenho o poema em mim.
Há uma pequena verdade muito breve, mas quase milagrosa. Nos campos de morte, havia homens, eruditos, rabinos que chamávamos «livros vivos». Eram pessoas que sabiam de tal maneira de cor que íamos folheá-los, que íamos a casa deles para dizer: o que quer dizer este texto? Donde vem? Qual é a boa citação? Poder citar bem é uma das boas condições da liberdade. É precisamente o contrário do pedantismo bizantino.
Sim, creio profundamente que quando abandonamos a aprendizagem de cor - e a criança pode aprender muito depressa, de modo admirável - se negligenciarmos a memória, se não a mantivermos à maneira do atleta que exercita os seus músculos, então ela definha. Hoje, a nossa escolaridade é de amnésia planificada.

Steiner, George, Ladjali, Cécile - O Elogio da Transmissão. 1.ª edição. Lisboa: D. Quixote, 2004, pp. 45-46.

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