Entrevista de Carlos Amaral Dias ao Jornal i

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"A depressão ligeira não se cura com comprimidos"
03.04.2010 - Rute Araújo - Jornal i

O primeiro estudo nacional sobre o assunto conclui que 23% dos portugueses já tiveram uma perturbação mental. Como interpreta este dado? Grande parte destes transtornos têm um problema associado que é a forma como são seguidos, a maior parte com medicação psiquiátrica. E isso vai contra todos os estudos. As depressões major precisam de medicação. Mas nas depressões ligeiras e na ansiedade sem pânico uma psicoterapia, a uma média de duas vezes por semana, é muito mais efectiva.

O consumo desses medicamentos é elevado no país. É a prova de que as pessoas são mal tratadas? Exactamente. Há uma correlação. E isso é um problema. Temos que nos perguntar porquê.

Por que tomar um comprimido é mais fácil? Ou por que não há apoios para as psicoterapias, e elas são caras? Os psiquiatras mais jovens são cada vez mais treinados dentro da psiquiatria biológica. A formação na psiquiatria mais compreensiva tem vindo a diminuir. Isso é preocupante. Ao mesmo tempo, não há, e seria importante que houvesse, uma forma de o Estado subsidiar efectivamente pelo menos uma parte das sessões. A consulta de psiquiatria é paga como qualquer acto médico, mas as psicoterapias têm uma comparticipação irrisória. Há uma discriminação negativa das psicoterapias.

O princípio dos cuidados universais e tendencialmente gratuitos não se aplica à saúde mental? O Estado não fornece os cuidados necessários aos pacientes. E isso é uma coisa importantíssima na saúde mental em Portugal. Preocupa-me o uso indiscriminado de psicofármacos. Muitas situações que fazem parte dos processos de vida são hoje tratadas com fármacos. É excessivamente frequente dar comprimidos para tratar um trabalho de luto quando é um processo normal na vida, que requer um tempo para a elaboração da perda e desinvestimento no objecto de amor perdido. Esta situação pode ser susceptível de psicoterapia, mas não é susceptível de medicação.

Esse tipo de tratamento funciona apenas como um adormecimento? Tem consequências para o paciente? Tem. Por exemplo, numa pessoa com ataques de pânico podemos distinguir entre o sintoma e aquilo que chamo o sintoma enigma: a história do paciente. Se não decifrar o enigma, não vai livrar-se da razão pela qual tem os ataques de pânico. Eles podem não ocorrer enquanto estiver medicado, mas quando se tira a medicação descompensa outra vez. Se trabalharmos esses sentimentos com a pessoa, a ajuda efectiva é maior do que apenas quando se dá um fármaco. A capacidade de estar com o doente é muito importante. Tive uma adolescente de 18 anos que tinha um conjunto de questões complexas, um longo passado psiquiátrico, com medicação. Mas nunca tinha falado dos seus problemas. Tinha ataques de pânico, medicaram-na e mandaram-na voltar três meses depois.

Há perturbações mentais típicas de cada época? Que tipo de consequência tem actual crise, o aumento do desemprego, da instabilidade? As guerras, crises económicas e sociais não aumentam nem diminuem as doenças psiquiátricas graves, como a esquizofrenia. Mas aumentam os transtornos mentais comuns. Uma pessoa deixa de ter dinheiro para pagar a casa, não pode cumprir os compromissos habituais, cuidar dos filhos como deseja... É um factor de fragilização emocional, facilmente pode entrar numa situação depressiva. Os transtornos da ansiedade e a depressão são os mais frequentes. Mas só a crise não justifica os 23% de perturbações, porque essa crise também se encontra noutros países e a prevalência é menor. Provavelmente Portugal não é assim tão semelhante aos países do Sul da Europa como se pensa, tem uma especificidade que merecia ser estudada. Somos muito mais reservados, introvertidos, há um maior sentimento de pessimismo, de dúvida sobre o futuro. O sentimento de que o país está mais fragilizado é maior. (ler mais)

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