Dido e Eneias

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- Infeliz Dido, era então verdadeiro o mensageiro que veio até mim anunciando-me que tinhas morrido e te deras a morte pela espada? Ah, fui eu a causa da tua morte? Juro pelos astros, pelos deuses supernos, por quanto haja de sagrado nas profundezas da terra, que não foi por minha vontade que me afastei das tuas praias. Mas a mim conduziram-me com a sua autoridade as ordens dos deuses, que agora me forçam a ir por entre estes espectros, por lugares esquálidos e esquecidos e pela noite profunda. Eu não pude crer que a minha partida te infligisse tamanho desgosto. Pára e não te esquives ao meu olhar. De quem foges? Por vontade dos Fados, é esta a última vez que te dirijo a palavra.
Com tais palavras, Eneias, derramando lágrimas, tentava apaziguar o ânimo aceso em raiva da que o olhava de través. Ela, voltando a cabeça para o lado, mantinha os olhos pregados no chão e a sua fisionomia não se alterou com o discurso que ele começara mais do que se ela fosse um duro penedo, uma imóvel estátua de mármore marpésio. Finalmente retirou-se e hostil fugiu para um bosque sombrio, onde o esposo de outrora corresponde ao seu afecto e lhe dá em troca amor igual.
Mesmo assim Eneias, perturbado com a sua injusta sorte, fica a olhá-la de longe com os olhos rasos de lágrimas, enquanto ela se afasta, e tem pena dela.


Vergílio, Eneida, Canto VI, Bertrand, Lisboa, 2005
Tradução: Luís M.G. Cerqueira

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