Uma rosa amarela

Posted by F. F. in ,

Nem naquela tarde nem na outra morreu o ilustre Giambattista Marino que as bocas unânimes da Fama (para usar uma imagem que lhe foi cara) proclamaram o novo Homero e o novo Dante, mas o facto imóvel e silencioso que então aconteceu foi na verdade o último da sua vida. Cumulado de anos e de glória, o homem morria num vasto leito espanhol de colunas lavradas. Nada custa imaginar, a poucos passos, uma serena sacada voltada para o poente e, mais abaixo, mármores e loureiros e um jardim que duplica as suas escadarias numa água rectangular. Uma mulher colocou numa taça uma rosa amarela: o homem murmura os versos inevitáveis que até a ele, para falar com sinceridade, já o aborrecem um pouco:

Púrpura do jardim, pompa do prado,
gema de primavera, olho de abril...

Deu-se então a revelação. Marino viu a rosa, como Adão a pôde ver no Paraíso, e sentiu que ela estava na sua eternidade e não nas suas palavras e que podemos mencionar ou aludir mas não exprimir e que os altos e soberbos volumes que formavam, num ângulo da sala, uma penumbra de ouro não eram (como na sua vaidade chegou a sonhar) um espelho do mundo, mas sim uma coisa mais a acrescentar ao mundo.

Marino obteve esta iluminação na véspera da sua morte e Homero e Dante talvez a tenham obtido também.

"Uma rosa amarela" In Jorge Luis Borges, Poemas Escolhidos.
Tradução de Ruy Belo.

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