Dizia ele que deixara a vida
pelo mundo em pedaços repartida.
Há quatrocentos anos que isso foi.
Mas desde então e sempre o que no mundo
se repartiu para não voltar
é o que — a mais que um poeta e dos maiores —
poderia ter sido o povo português.
*
Solúvel e insolúvel este povo.
Na memória dos outros e na sua mesma.
*
Real, sub-real, super-real,
ou — como querem alguns — surrealista?
Que dizer-se de um povo cujo tempo
se dissolveu no espaço e cujo espaço
não teve nunca tempo para dissolver-se
em tempo?
*
Eterno era só Deus. Os povos não.
E não as línguas e as cidades. Mas
quem vive de alheamento e sobrevive
não é que eterno se ignora morto?
*
Salvador Correia
de Sá e Benevides
libertou o Brasil dos holandeses
e Angola deles pois que sem escravos
o mundo não se açucarava bem.
Um dia regressou a Portugal
à espera de ser visto como herói
(que era). Gastou os fundos dos calções,
as economias, as plumas do chapéu,
e os borzeguins comprados para a Corte,
nas antecâmaras reais e realengas.
E um dia. exausto ele já de esperas e delongas
a Majestade recebeu-o enfim.
O que é que ele queria? O que é que ele pedia?
Ah não pedia nada. Só licença
de voltar ao Brasil. Estava velho
e não havia
em Portugal espaço pra morrer-se.
*
Espaço no Brasil, pobre Correia!
Só reduzido a cinzas centenárias
é que o D. Pedro para lá regressa
a pedido de várias famílias.
(Legitimistas riem-se nos túmulos,
e os liberais não choram, que os não há).
*
Está aberta a inscrição para poetas épicos
que celebrem em oitavas a vitória
de Alcácer-Quibir.
(15 mil réis de tença anual para o poeta
não nomeado por velho e demasiado grande).
Mas este povo: o povo: esse de séculos
em terra dura e curta vida imerso?
O que sonha ou pensa? Franças e Araganças?
Se lhe tiraram cama em que sonhar!
Se lhe não deram nunca o imaginar
mais que sardinha assada sem esperanças!
Não sonha ou pensa, apenas faz os filhos
que um dia houveram sido o povo se —
um se e sempre se de tantos séculos
e terra dura e curta vida e gente
que está por cima e há outros mais abaixo
danados só de não estarem em cima
do mesmo povo, o tal que todos amam
e lhes faz figas quando voltam costas.
"Os Ossos do Imperador e Outros Mais", Jorge de Sena
This entry was posted
on quarta-feira, 12 de agosto de 2009
at quarta-feira, agosto 12, 2009
and is filed under
Telemaquia: Poesia com Direito de Resposta
. You can follow any responses to this entry through the
comments feed
.
Apresentação
"Telémaco, não deves sentir vergonha; de modo algum!
Pois foi para isto que atravessaste o mar, para saberes notícias
de teu pai: onde o cobriu a terra ou que destino foi o seu."
Odisseia , Canto III, 14-16.
Telemaquia:
Perfil no Blogger
- Contacto:
telemaquia@live.com.pt
Pois foi para isto que atravessaste o mar, para saberes notícias
de teu pai: onde o cobriu a terra ou que destino foi o seu."
Odisseia , Canto III, 14-16.
Telemaquia:
Perfil no Blogger
- Contacto:
telemaquia@live.com.pt
O Jogo do Direito de Resposta: Literatura e Intertextualidade
A folha de poesia que a Telemaquia costumava afixar semanalmente junto ao Departamento de Estudos Portugueses da FCSH corresponde agora à rubrica bloguista Literatura com Direito de Resposta. Desafiamos os nossos leitores a responderem aos textos citados na mesma moeda: literatura com literatura se paga. As respostas, que poderão ser deixadas na caixa de comentários ou no nosso endereço de e-mail, serão posteriormente colocadas no blog como postagens.
Amigos da Telemaquia
-
-
Um não post.....Há 12 anos
-
-
Pseudo Guidinha IHá 13 anos
-
-
-
em obrasHá 15 anos
-
Férias no mármoreHá 16 anos
-
Blogues
-
Caio Garrido - MarésHá 2 dias
-
Banda desenhada e autismo.Há 4 dias
-
Vêm ou veem?Há 5 meses
-
-
-
Pó dos LivrosHá 6 anos
-
Os livros que fazem feministasHá 7 anos
-
E o ano da morte de Ricardo ReisHá 7 anos
-
Maio, 1Há 7 anos
-
Conversas de biblioteca XXXVHá 8 anos
-
JOSÉ MANUEL RAMÓNHá 8 anos
-
乳がんの診断はマンモグラフィ撮影が基本Há 9 anos
-
1930-2015Há 9 anos
-
-
Catarina, depois da TramaHá 10 anos
-
"Cortejo Histórico de Lisboa"Há 11 anos
-
-
-
Letra pequena já não mora aqui...Há 12 anos
-
InformaçãoHá 13 anos
-
-
-
todo o blogue é composto de mudançaHá 14 anos
-
-
YOLANDA CASTAÑOHá 16 anos
-
-
-
-
-
-
-
Língua Portuguesa
Bibliotecas
Outros Recursos
Fundações e Institutos
- Centro de Estudos sobre o Imaginário Literário
- Fundação Calouste Gulbenkian
- Fundação Luso-Americana
- Fundação para a Ciência e Tecnologia
- Goethe-Institut Portugal
- Institut Franco-Portugais
- Instituto Camões
- Instituto Cervantes
- Instituto de Estudos de Literatura Tradicional
- Instituto de Estudos Portugueses
- Instituto de Estudos sobre o Modernismo
- Instituto de Línguas da Universidade Nova de Lisboa
- Instituto de Solidariedade e Cooperação Universitária
- Istituto Italiano di Cultura
Centros e Guias Culturais
Juventude
Tópicos
- Actualidade
- África Minha
- Alfarrabismo
- América
- Animação
- Antropologia
- Artigos
- Being puzzled
- Ciclos
- Cinemateca
- Colóquios
- Comemorações
- Comunidade de Leitores
- Concertos
- Conferências
- Congressos
- Cooperativa Literária
- Crónicas
- Cursos
- Debates
- Desporto
- Educação
- Ensaios
- Entrevistas
- Epitáfios e últimas palavras
- Escultura
- Espectáculos
- Espólios
- Estudantes de Filosofia
- Estudantes de Literatura
- Estudantes Parvos
- Etnologia
- Europa
- Exposições
- FCSH
- Feiras do Livro
- Femina
- Festivais
- Filosofia
- FLUL
- História
- Imago
- Imbecilidade
- Infantibus
- Iniciativas
- Língua mirandesa
- Língua Portuguesa
- Línguas
- Literatura
- Livros
- Mundo Clássico
- Museus
- Música
- Não há fuso sem roca
- Natura
- Oficinas
- Oriente
- Outros
- Pintura
- Poesia
- Portugal: um retrato social
- Private Jokes
- Publicidade
- Recursos
- Religião
- Ridendo
- Saúde
- Seminários
- Teatro
- Telemaquia
- Telemaquia: Banca do Livro
- Telemaquia: Concurso Eu Próprio e os Outros
- Telemaquia: Corneta do Diabo
- Telemaquia: Direito de Resposta
- Telemaquia: Poesia com Direito de Resposta
- Telemaquia: Prosa com Direito de Resposta
- Telemaquia: Sugestões de Natal
- Televisão
- Teologia
- Tertúlias
- TLMQ
- Tradição
- Workshops