207 do Engenheiro Sensacionista

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207 

Tantos poemas contemporâneos!
Tantos poemas absolutamente de hoje -
Interessante tudo, interessantes todos...
Ah, mas é tudo quase...
É tudo vestíbulo
É tudo só para escrever...
Nem arte,
Nem ciência
Nem verdadeira nostalgia...
Este olhou bem o relevo desse cipreste...
Esse viu bem o poente por trás do cipreste...
Este reparou bem na emoção que tudo isso daria...
Mas depois? ...
Ah, meus poetas, meus poemas - e depois?
O pior é sempre o depois...
É que para dizer é preciso pensar -
Pensar com o segundo pensamento -
E vocês, meus velhos, poetas e poemas,
Pensam só com a rapidez primária da asneira - "é" e da pena -

Mais vale o clássico seguro,
Mais vale o romântico cantante,
Mais vale qualquer coisa, ainda que má,
Que os arredores inconstruídos duma qualquer coisa boa...
«Tenho a minha alma!»

Não, não tens: tens a sensação dela.
Cuidado com a sensação!
Muitas vezes é de outros,
E muitas vezes é nossa
Só pelo acidente estonteado de a sentirmos...

1/11/1934

CAMPOS, Álvaro de, Poesia , Lisboa, Assírio e Alvim, 2002

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2 comentários

A Poesia Vai Acabar

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —



PINA, Manuel António, Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde, Editorial Presença, 1974

25 de maio de 2009 às 23:44

Agradecemos a resposta de Cláudia a Poesia com Direito de Resposta.

26 de maio de 2009 às 21:07

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