Vi-os desaparecer na noite

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Li este livro com 18 anos, na edição com que neste momento ainda fazemos o espectáculo. Por ocasião dos 50 anos da sua edição, o Tó Trips foi convidado a tocar guitarra numa exposição chamada “remembering Jack Kerouac” na Av. Da Liberdade 211, e convidou-me a ler umas passagens do livro. Em noite de improviso, e com vídeo da Raquel Castro, o espectáculo correu bastante bem, livre como uma estrada aberta. Acho que nessa noite sentimos um clic, que esta estrada fora de Kerouac deveria ser partilhada e palmilhada noutras estradas, noutros sítios, ou seja, on the road, que é o que temos feito em inúmeras apresentações. A música é toda composta pelo Tó Trips, na guitarra e com muitas pedaleiras, 1 prato de bateria e um xilofone. Eu escolhi as passagens do livro de Kerouac, junto com improvisos meus (sempre em inglês os meus improvisos, e que são um pouco o discurso directo desses dois viajantes, Neal Cassady e Jack Kerouac).
Aí o livro multiplica-se em estradas secundárias, auto-estradas, caminhos de cabras, curvas e contracurvas, desertos, montanhas, terra batida, asfalto, caminhos para a praia, encruzilhadas, estradas percorridas sob um sol justiceiro ou sob chuva torrencial, ao raiar da aurora ou na noite cerrada, profunda; estrada perdida, sem fim, road to nowhere, highway to hell, easyrider, estrada percorrida por músicos, por artistas, por viajantes, aventureiros: estrada da vida.
O espectáculo percorreu já várias estradas de Portugal e ruas das suas cidades, preparando-se agora para percorrer estradas fora das nossas fronteiras e outras mais longínquas.
Desde esse primeiro clic, desde que ligámos o motor, a 1 de Dezembro de 2007 na Av. da Liberdade, que este espectáculo tem rolado e viajado e nós, com ele também. É uma excursão que queremos partilhar com muitos viajantes, numa trip por vezes bem real, por vezes imaginária.
O vídeo-beat da Raquel Castro é um encontro fundamental para esta viagem pela estrada dos sonhos, sabendo-se como as imagens em movimento nos fazem sonhar. O espectáculo é também road movie. Esta viagem tem decorrido com várias aventuras, chegadas felizes, paisagens luxuriantes ou inóspitas, caminhos cruzados com outros viajantes, e claro, alguns furos e mudanças de rumo, sempre guiados pelo on the road de Jack Keuroac mas, com muitas estradas, textos, sons, imagens cruzadas de outros viajantes: Lou Reed, Tom Waits, Marc Ribot, Jim Jarmusch, William Burroughs, um cabeleireiro de Aveiro, um fazedor de sandes de carne assada com taças de vinho verde no Porto, um barman dos Açores, um baterista furioso em Coimbra, picnics à beira da estrada, directas a conduzir, América perdida, América sonhada, Portugal profundo, ilhas, prego a fundo.
Numa das passagens desta viagem, fomos convidados pelo Henrique Amaro para gravar esta viagem em CD. Convidámos alguns compagnons de route.
O mais curioso foi que a gravação decorreu no sítio onde tudo começou na Av. da Liberdade 211, na sala Bebé, sob comando técnico do Rui Dâmaso (Loosers) e muito frio que apenas um radiador chinês não iludiu. Nessa semana de gravações passou a maior vaga de frio por Lisboa dos últimos 30 anos e nós, numa sala gelada. Mas com os novos viajantes; Paulo Gouveia (baterista), Francesco Valente (contrabaixo), José Lencastre (Saxofone), Luís Vicente (trompete), Mafalda Nascimento (violoncelo), João Cardoso (piano) enganámos o frio, aquecemos os dedos, os corações e estava gravado!

Este disco-viagem, “Liberdade Livre” como dizia o poeta, relata episódios simples, alguns caricatos, alguns dramáticos, viagens com drogas e álcool, amores em viagem vagabundos, cidades perdidas na noite, portos de abrigo, refeições retemperadas, “Vi-os desaparecer na noite”, cruza também a história real de 2 amigos de muitas noites, dias, aventuras, álcool, drogas, paixões, altos, baixos, rectas, curvas e cruza música, literatura poesia e imagens em movimento.
Tiago Gomes

Fonte: optimusdiscos.com
 
Ouvir o disco aqui.

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