Terceiro
o sol que reveste este rosto em devir fracção
de fogo roubada à natureza despida
numa oração divinal toca a mão dos céus e aguarda
o ocioso espírito da ondulação Há na madrugada uma
mágica percepção da luz um tempo onde
a memória
se trai em sussurrantes versos A cada novo sol
aguardo o retorno do barco e no papel fica
escrito o recado sem morada
Já se passaram quase vinte anos e ainda
não aprendi a beijar o teu rosto Fizeste-te passageiro do tempo
dos apaixonados pelo mar
pela aventura dos que amam incondicionalmente
no anoitecer da cidade Em ti nasci como homem
como amante da humanidade distinto vigilante
das estrelas dos oceanos e da cidade em ti
meu filho
amadureceram todos os poemas E enquanto
viajo enquanto esta saudade me corrói os ossos
enfraquecidos pelo pecado sei-te ao meu lado sei-te
nómada neste vastíssimo universo e sei
vivi o tempo suficiente para te ensinar o ofício da constelação
o grito da palavra dentro da cabeça dos deuses Se um dia
nos voltarmos a ver irei admirar a infindável sílaba
dos oceanos a tua memória que ecoa fértil em cada ilha
em cada voo das aves E sei o que mais quero
é que ainda estejas vivo Nada me iria causar maior dor
do que ter sobrevivido a ti do que ter resistido
ao chamamento do abismo e tu não Preciso-te vivo
preciso adormecer sabendo-te onde me esqueci do
amor
onde o vinho tem o sabor dos corpos e a vertiginosa insónia
se reduz na travessia do sangue Digo isto
sem decidir partir por fim sem abdicar desta solidão crepuscular
Meu filho
um dia ergueremos juntos a palavra no abismo
Sabes que o pai te ama
Rui Alberto, Parabola Abyssus
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on sábado, 10 de janeiro de 2009
at sábado, janeiro 10, 2009
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Estudantes de Literatura
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