Porquê estudar Literatura?

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Desde pequena que gosto de livros. Da materialidade dos livros. Dos indícios das capas, da textura e cor das folhas, das possibilidades infinitas da leitura. Antes mesmo de aprender a ler, já liam para mim. E nunca era com sono que eu ouvia as histórias. Liam-me ao jantar – porque tinha pouco peso para a minha idade, porque não comia. A minha mãe conta com frequência que a minha maior angústia da primeira infância era não saber ler. Na escola, tive sorte. A minha boa professora, com quem ainda hoje mantenho o contacto, levava para a aula música, poesia, teatro, artes plásticas. Aos 9 anos posso dizer que eram esses os meus interesses. Sonhar com profissões? Nunca em tal coisa eu pensava.

Certo dia descobri o Diário de Anne Frank e, como muitas raparigas, senti-me próxima da Anne, identifiquei-me com ela. Comecei a acreditar na reencarnação e achava até que ia morrer muito nova. Tinha muitos delírios – era uma adolescente solitária. E assim os anos passavam e eu preferia ler a sair com os amigos. Foi dessa forma que descobri Sartre, Oscar Wilde, Nabokov, Nietzsche. Aos dezasseis anos fiz a tentativa (vã) de ler James Joyce. E foi contra a professora de Português que acreditava que eu ia seguir Filosofia e contra os meus colegas que achavam a escolha um desperdício, que decidi seguir Línguas e Literaturas Modernas. Atirei ao destino a variante: inglês ou francês com português ou só português. O destino respondeu-me: inglês não, francês talvez, português sim.

Quando entrei na FCSH acreditava que a Palavra podia mudar o mundo. Não sabia se tinha talento para alguma coisa, mas sabia que tinha a necessidade de fazer qualquer coisa. Os três anos do curso foram passados em mistos de frustração e regozijo. Revia-me naqueles que tiravam com amor os livros de uma estante, mas era com nojo que observava todos os que ocupavam o meu espaço sem saber o porquê. Posso dizer que vivi no curso com arrogância, embora me desse com toda a gente. E confesso que com a mesma arrogância analisei os professores. Enraiveci-me com a graxa pontuada, com a inflação das notas de Bolonha, com os professores que nos tratavam como estudantes de liceu.

... Saí há uns meses e às vezes digo: “tenho saudades”. No meu mestrado não leio literatura, mas manuais de receitas pedagógicas. Queria voltar a sentir o orgulho de saber que estudo e disseco a humanidade. Agora só na solidão é que encontro a sensação que é interagir com a arte mais imaginativa que eu conheço. Posso não fazer parte dela, penso eu, mas ela faz parte de mim. E embora amaldiçoe o facto de não ter muito dinheiro e me irrite com a inactividade dos meus colegas e me enerve com as associações do curso às baixas médias de acesso esta foi uma decisão consciente. Não passava a minha vida sem estudar Literatura. :)

F.F.

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3 comentários

Anónimo  

Como te compreendo!!!!!!!

5 de janeiro de 2009 às 17:04
Anónimo  

Isto também podia ir prá Corneta.

6 de janeiro de 2009 às 12:38

F.F.(não sei se me é permitido revelar a tua misteriosa identidade) mts parabéns pelo texto!!! Gostei mt, isto enquanto devia andar a estudar para Multiculturalismo... esbarro com este blogue e com a floresta encantada da A.R. ...e depois fico para aqui perdida a ler...lol

"Não passava a minha vida sem estudar Literatura." Este pensamento sintetiza bem o que sinto em relação ao nosso - tão mal amado curso - a verdade é que eu também não passava a minha vida sem estudar Literatura...

13 de janeiro de 2009 às 01:28

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